Uma nova chance através do trabalho

Em um galpão na cidade de Palhoça, na Grande Florianópolis, uma iniciativa inovadora tem chamado a atenção do Brasil: presos em regime semiaberto estão fabricando iates de luxo para uma das principais empresas do setor náutico nacional. Essa parceria público-privada exemplifica uma política de ressocialização que une inclusão social, capacitação profissional e desenvolvimento econômico.
Com cerca de 70 detentos envolvidos no projeto, são produzidos, em média, 10 barcos por mês — todos com acabamentos refinados e alto valor de mercado. O trabalho, além de promover dignidade e ocupação para os apenados, também aquece a indústria naval catarinense, que é uma das mais fortes do país.
Santa Catarina: referência nacional em ressocialização
Segundo dados da Secretaria de Estado da Administração Prisional e Socioeducativa (SAP), mais de 30% dos presos no estado trabalham, o que coloca Santa Catarina à frente da média nacional, que gira em torno de 23,8%. Esse dado demonstra um forte comprometimento do estado com políticas que não apenas punem, mas também transformam realidades.
O programa de ressocialização tem apresentado resultados práticos: somente em 2024, os presos catarinenses geraram R$ 28 milhões em arrecadação com o trabalho prisional. Esse montante é reinvestido em áreas como saúde, segurança e educação — gerando um ciclo virtuoso que beneficia toda a sociedade.
Como funciona o modelo de trabalho para presos?
O sistema é estruturado de forma que o detento tenha uma remuneração digna, seguindo as diretrizes da Lei de Execução Penal. A distribuição do salário ocorre da seguinte maneira:
- 50% do salário vai para a família do preso
- 25% é destinado ao custeio da estadia no sistema prisional
- 25% é depositado em uma poupança, que o apenado pode acessar após cumprir a pena
Esse modelo tem como objetivo reduzir a reincidência criminal, dar suporte à família do reeducando e proporcionar uma base para recomeçar após a liberdade.
Além disso, os detentos envolvidos recebem capacitação técnica para lidar com materiais náuticos, ferramentas industriais, segurança no trabalho e noções de gestão de produção. Ou seja, não se trata apenas de mão de obra barata, mas de formação profissional.
O papel da indústria náutica e sua importância para SC
Santa Catarina é líder nacional na fabricação de embarcações de luxo. Cidades como Palhoça, Biguaçu e Itajaí concentram estaleiros de renome, que exportam embarcações para Europa, Estados Unidos e Emirados Árabes. A mão de obra qualificada é um dos diferenciais competitivos do estado — e o programa de ressocialização surge como uma importante fonte de talentos.
Segundo dados do setor, a indústria náutica movimenta mais de R$ 2 bilhões por ano no Brasil, sendo que uma fatia expressiva vem de Santa Catarina. Os iates produzidos com auxílio dos presos seguem padrões internacionais de qualidade e reforçam a credibilidade do setor no exterior.

Benefícios da ressocialização via trabalho
A aposta em programas de ressocialização com trabalho vai além da produção econômica. Ela se fundamenta em diversos pilares sociais e humanos. Entre os principais benefícios, destacam-se:
- Redução da ociosidade nos presídios, um dos fatores que favorecem o surgimento de facções criminosas
- Fortalecimento da autoestima dos apenados
- Qualificação profissional real, com chances concretas de inserção no mercado após o cumprimento da pena
- Reparação social: com parte do salário revertido para o próprio sistema, o preso contribui para os custos da sociedade
Além disso, muitas empresas contratantes afirmam que os detentos que se destacam no trabalho muitas vezes são contratados formalmente após o fim da pena.
Desafios e críticas ao modelo
Embora o projeto catarinense seja considerado modelo, ele não está livre de críticas. Algumas organizações de direitos humanos alertam para o risco de exploração de mão de obra barata e exigem maior fiscalização dos contratos. Por isso, é essencial que haja transparência nos processos e respeito às leis trabalhistas, mesmo dentro do sistema prisional.
Outro desafio é garantir que todos os presos tenham igual acesso às oportunidades, evitando privilégios e discriminações internas. A ampliação do projeto para outras unidades também depende de infraestrutura adequada e parcerias comprometidas com a reintegração social.
Parcerias de sucesso e expansão
Das 53 unidades prisionais de Santa Catarina, 51 já contam com parcerias com empresas privadas ou órgãos públicos. Além da fabricação de iates, os presos também atuam nas seguintes áreas:
- Montagem de eletrônicos, como na parceria entre a Intelbras e a Penitenciária de São Pedro de Alcântara
- Confecção de roupas e uniformes
- Produção de móveis sob medida
- Serviços gerais e manutenção urbana
Em 32 unidades, os apenados já atuam fora dos presídios, com supervisão adequada. Isso permite uma transição mais humanizada para o retorno à liberdade.
Visibilidade nacional e internacional
A repercussão do projeto em Palhoça ultrapassou as fronteiras do estado. O caso foi destaque no G1, em veículos regionais e agora desperta o interesse de gestores públicos de outros estados brasileiros. Além disso, representantes da ONU que visitaram o sistema prisional catarinense em 2023 elogiaram o modelo de ressocialização via trabalho e sugeriram sua replicação em países da América Latina.
Conclusão: uma política pública que transforma
O programa de fabricação de iates por presos em Santa Catarina é um exemplo claro de como a união entre governo, iniciativa privada e sociedade civil pode gerar mudanças estruturais. Ao invés de simplesmente punir, o estado escolheu investir em recomeços. Através do trabalho, muitos presos estão tendo a oportunidade de reconstruir suas vidas e contribuir para o crescimento de um setor econômico importante.
Para que esse modelo se fortaleça ainda mais, é preciso garantir transparência, fiscalização e ampliação do acesso. Mas o que já se vê é um caminho promissor — em que a justiça é feita não só com privação de liberdade, mas com a chance de transformação real.