Com TEA, criança se afastou dos pais durante trilha no Cânion Fortaleza e caiu de uma altura de 70 metros; perícia investiga falhas na sinalização

Uma tragédia comoveu o Brasil na tarde desta quinta-feira (10), no Parque Nacional da Serra Geral, em Cambará do Sul, no Rio Grande do Sul. Uma menina de 11 anos, diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), morreu após cair de uma altura de aproximadamente 70 metros no Cânion Fortaleza, um dos pontos turísticos mais visitados da região sul do país.

A vítima estava acompanhada dos pais e irmãos quando se afastou repentinamente do grupo e despencou de uma borda do mirante. Apesar da rápida mobilização das equipes de resgate, o corpo da menina só foi localizado cerca de quatro horas após a queda e resgatado por volta das 23h.

Entenda como o acidente aconteceu

Segundo relato do pai à Polícia Civil, a família fazia a Trilha do Mirante quando decidiu fazer uma pausa para o lanche, já no fim do trajeto. Nesse momento, a menina mais velha se afastou correndo e, em segundos, desapareceu da vista dos familiares. O pai tentou correr atrás da filha, mas não conseguiu alcançá-la antes da queda.

De acordo com as autoridades, o ponto exato do acidente não possui barreiras de contenção física, o que aumenta significativamente o risco de quedas. O mirante, por sua vez, oferece uma vista panorâmica do cânion, mas apresenta trechos expostos, sem nenhuma proteção contínua ou tela de segurança.

Esse fator, segundo a delegada responsável pela investigação, Fernanda Aranha, é um dos principais pontos que serão analisados durante a perícia técnica. A delegada também afirmou que a trilha conta com algumas sinalizações de alerta, mas que não havia contenção no local exato onde o acidente ocorreu.

Resgate exigiu esforço técnico e uso de drone térmico

Após a queda, os bombeiros foram acionados e iniciaram as buscas com apoio de um drone equipado com câmera térmica. O equipamento foi fundamental para localizar a vítima, já que a área possui vegetação densa e terreno acidentado. O drone detectou o corpo da criança por volta das 17h37, cerca de quatro horas após a queda.

Apesar da localização, o resgate só foi possível mais tarde, por volta das 22h, devido às dificuldades técnicas e climáticas. Equipes especializadas em rapel precisaram perfurar rochas para instalar os equipamentos de segurança. O local da queda é extremamente íngreme e apresenta riscos mesmo para profissionais treinados.

João Eugenio, médico do Serviço Aeromédico do Estado de Santa Catarina (Saer), relatou que as condições meteorológicas também dificultaram a operação. Segundo ele, o nevoeiro começou ainda no meio da tarde, reduzindo a visibilidade e comprometendo a segurança da equipe.

Perícia apura falhas na segurança do parque

Além das causas imediatas do acidente, a Polícia Civil e o Instituto Geral de Perícias investigam possíveis falhas na segurança do parque. A principal dúvida, até o momento, gira em torno da ausência de contenção nas bordas do mirante.

A delegada Fernanda Aranha ressaltou que será analisado o trajeto completo entre a base do parque, onde há uma lanchonete, e o ponto final da trilha. A presença (ou ausência) de sinalizações de alerta, a qualidade das trilhas e a responsabilidade da concessionária pela manutenção da segurança também estão sob investigação.

Ainda não se sabe se a menina estava com vida no momento em que foi localizada pelo drone. Embora o equipamento registre variações de temperatura, ele não é capaz de identificar sinais vitais. Somente o laudo do Instituto Médico Legal (IML), aguardado nas próximas horas, poderá esclarecer esse ponto.

Governos prestam apoio e cânion será fechado temporariamente

Em nota oficial, o governo do Paraná, estado de origem da vítima, informou que o translado do corpo será feito por uma aeronave da Casa Militar. A mesma estrutura será usada para trazer a família de volta à capital.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD), e representantes da Urbia, concessionária que administra o parque, lamentaram profundamente a tragédia. Em sinal de luto, a Urbia decidiu manter o Cânion Fortaleza fechado ao público nesta sexta-feira (11).

Segurança em parques naturais volta ao debate

O acidente reacendeu o debate sobre a segurança de visitantes em parques naturais. Embora a beleza dos cânions da Serra Geral atraia milhares de turistas todos os anos, a ausência de estruturas de contenção ou de controle de acesso pode transformar um passeio em uma situação de risco, especialmente para famílias com crianças ou pessoas com condições neurológicas específicas, como o autismo.

Segundo especialistas em turismo ecológico, a maioria dos parques naturais no Brasil ainda apresenta deficiências estruturais e carece de políticas públicas mais firmes voltadas à proteção dos visitantes. Em locais de grande altitude ou em áreas com acesso acidentado, a instalação de corrimões, grades, plataformas suspensas e monitoramento com câmeras pode salvar vidas.

Além disso, a capacitação de guias, presença de brigadas de socorro e sinalizações em múltiplos idiomas são apontadas como medidas preventivas que deveriam ser obrigatórias em locais com alta circulação de turistas.

A importância da acessibilidade e inclusão

O caso também chama a atenção para a importância da acessibilidade em parques e trilhas naturais. Pessoas com Transtorno do Espectro Autista podem ter hipersensibilidade a sons, estímulos visuais e alterações repentinas de ambiente. Além disso, é comum que apresentem reações inesperadas, como correr, se isolar ou buscar lugares elevados.

Nesse sentido, a inclusão plena em espaços públicos precisa ser acompanhada por adaptações adequadas. Trilhas com corrimões contínuos, áreas seguras de descanso, placas com pictogramas e profissionais preparados para lidar com emergências são essenciais para garantir um passeio seguro a todos os públicos.

Turismo e responsabilidade: onde está o limite?

Embora o turismo de natureza proporcione experiências únicas de contemplação e conexão com o meio ambiente, ele também exige responsabilidade dos gestores, guias e visitantes. A busca pelo contato direto com paisagens exuberantes não pode acontecer à custa da segurança humana.

No caso do Cânion Fortaleza, a ausência de barreiras físicas em pontos críticos reforça a necessidade de revisão imediata das normas de segurança. A negligência, mesmo que não intencional, pode ser determinante para a ocorrência de acidentes fatais como esse.

Conclusão

A morte da menina de 11 anos em Cambará do Sul expõe uma ferida que o Brasil insiste em ignorar: a precariedade da segurança em locais turísticos naturais. Enquanto a beleza da paisagem encanta, o risco invisível se esconde nas bordas sem proteção, nas placas ausentes e na falta de preparo das estruturas para receber diferentes perfis de visitantes.

Agora, com o luto e a dor de uma família paranaense em evidência, resta a esperança de que o caso não seja apenas mais um número nas estatísticas. Que ele sirva como ponto de inflexão para mudanças urgentes na gestão de parques naturais, promovendo turismo responsável, acessível e seguro para todos.

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